sexta-feira, 11 de setembro de 2009

REALISMO LENDOLÓGICO - Parte III

A GRANDE PORONGA




Chegamos a uma cabana circular escura, com uma grande poronga em seu centro, um altar ornamentado de cuias e outras pequenas porongas. Sentamos ao redor, chegam as nativas trazendo o fogo da tocha sagrada para iluminar o ambiente. Elas caminham em circulo enquanto o guia canta versos de louvor ao amanhecer:

“Louvai o brilho do sol
Louvai o amanhecer
Louvado dia
Louvai o entardecer”

A claridade da tocha revela detalhes arquitetônicos da cabana que estavam escondidos pela escuridão.

O guia expõe pensamentos e reflexões sobre o que definimos como sombra, luz e o ser. Esses pensamentos serão aprofundado mais adiantes, no lendário O do Grito Mapinguariano

As nativas retiram as pequenas poroingas do altar e coroam os caminhantes com elas. com o fogo da tocha sagrada acendem a grande poronga e em seguida as pequenas porongas que estão em nossas cabeças.

* No caminho a poronga apagada simboliza a ignorância do ser humano diante do universo natural que o cerca, simboliza o caminhar as cegas na escuridão dentro da floresta, sem ver a riqueza de conhecimentos e saberes naturais existentes nela.

*A poronga acesa, simboliza o humano que vive e caminha na floresta usando a luz da inteligência para descobrir novas coisas, novas maneiras de lidar com as forças naturais, de interagir com elas, resultando na cultura típica dos nativos da região, como é o caso das contações de histórias, dos causos, do fabulendarismo, das narrativas lendologicas dos seres mitos lendários da floresta e etc.

Com as nossas porongas acesas somos orientados a formar um circulo em frente a grande poronga, formando a lendária roda dos contadores de histórias da floresta. Nessa roda são desenvolvidas histórias coletivas, alguem começa uma narrativa, e seguindo uma ordem de manifestação dos caminhantes, cada um usa a imaginação para complementar narrativa interrompida pelo que está do seu lado.
Logo depois vem o rito das narrativas individuais. O guia e seus auxiliares conta às proezas do jovem líder dos encantados, que dizem respeito a origem do lendário Ser Mapinguary, nos levando a reflexões e analises profundas sobre a organização sistemática intelectual interativa social em que vivemos até o inicio do terceiro milênio. Comentários complementares que acompanham a narrativa nos dão uma noção do vasto campo sensível que envolve esse elemento da nossa cultura popular. Vejamos a narrativa:


O SER MAPINGUARY


”Ao chegarem na pequena aldeia, os aventureiros foram recebidos com grande festa, resolveram então passar uns dias por ali, e um deles aproveitou a oportunidade de se aproximar da esposa do jovem líder, e fez para ela a demonstração de como mandar o seu espírito para outro lugar e fazê-lo falar através de riscos nas superfícies de folhas de arvore. E com a ajuda dos outros aventureiros, demonstrou que também tinha o poder de ouvir os espíritos dos amigos através dos riscos na superfície das folhas. Impressionada com a demonstração, a jovem foi até o espelho d’água, onde o líder e os jovens anciões se reuniam diariamente.
Chegando lá, relatou para ele a demonstração de poder que os aventureiros fizeram. O jovem ficou curioso, os anciões reagiram com indiferença ao relato e pediram para que o jovem líder tivessem cautela com a novidade trazida pelos aventureiros. A esposa insistiu para que o jovem fosse comprovar o que ela estava dizendo, acrescentando que os aventureiros mostraram-se dispostos a ensiná-lo obter o curioso poder como forma de agradecê-los pela acolhida que tiveram na aldeia.
Mesmo contra a vontade dos anciões, o jovem líder foi ao encontro dos aventureiros, e ficou impressionado com o tal poder, e manifestou o desejo de aprender ouvir e falar através dos riscos na superfície das folhas. Os aventureiros prontamente deram inicio aos primeiros exercícios.
Aos pouco o jovem líder foi dominando o poder de mandar seu espírito falar e a ouvir através dos riscos nas folhas. Os aventureiros aproveitaram o entusiasmo e a dedicação do jovem líder, e sutilmente foram colocando entre as folhas que davam para ele exercitar o poder, algumas folhas que tinha o poder de se apossar do espírito e dos pensamentos dele. E não demorou muito para que o jovem líder tivesse o espírito e seus pensamentos manipulados pelos aventureiros, e passou a dar a total liberdade para eles viverem e explorarem livremente suas propriedades, sem incomodá-los ou questioná-los quantos aos objetivos destas explorações.
O tempo foi passando, o jovem líder foi deixando de ir aos encontros no grande espelho d'água, para evitar discutir com os anciões que insistiam para que afastasse o seu povo do estranho poder trazido pelos aventureiros. Não demorou, e tudo na aldeia passou a ser feito e organizado através de folhas de arvores riscadas. Um dia depois de ouvir algumas discussões entre os nativos, o jovem percebeu que sua tribo tinha entrado num estado caótico de troca de informações e convivência sócio interativa, percebeu que estava perdendo o controle das coisas e conseqüentemente o poder de dirigir seu povo, as folhas riscadas estavam assumindo o seu lugar. Desesperado, aproveitou a ausência dos aventureiros na aldeia, e foi ao encontro dos anciões no espelho d'gua na tentativa de reverter a situação. No encontro, depois de muita discursão e reflexões, os anciões o levaram até a beira do igarapé e o fizeram olhar o rosto no espelho d'água, e ele então pode ver o que o tal poder tinha feito com ele. Constatou que o poder dos riscos na superfície das folhas o tinha deixado quase cego e enxergando apenas com um olho, e que conseqüentemente ele tinha cegado todos de sua tribo com o tal poder.

Desesperado o jovem soltou um gritou. Porem, de sua garganta sai um urro pavoroso que estremeceu toda floresta. Os aventureiros assustados se embrenham nas matas temendo pelo pior. Os anciões fugiram apavorados sem saber o que fazer para acalmá-lo. Mas a mãe das águas, que acompanhava toda estória desde o começo, se compadecendo do sofrimento do jovem, pediu para que um dos seus lendários encantados fosse até o espelho e o conduzisse ate a grande fonte das vertentes do reino das águas doces, e ali entregou a ele um *olho d'água.

O jovem voltou para aldeia, trazendo vasos de cabaças contendo olhos d'águas limpa para lavar os olhos do seu povo e livrá-lo da cegueira produzida pelo poder dos riscos nas superfícies da folhas. Aos poucos, todos foram recuperando a visão, e voltando a enxergar o meio natural como ele realmente era.

Na fuga os aventureiros levaram as crianças e a maioria das mulheres, inclusive a jovem esposa. Isso fez com que o líder continuasse enxergando apenas com um olho, e para voltar ao normal, ele tinha que encontrar sua amada e curá-la. E não tendo outra saída, saiu pela floresta, gritando e assobiando, e esperando a resposta dela. E todo estranho que encontrava pelo caminho, devorava com os olhos, pois acredita que assim estava defendendo e evitando que sua tribo fosse novamente contaminada pelo estranho poder. Dando origem assim a um dos mais intrigantes personagens do nosso lendário nativo popular urbano e florestal: “ O Ser Mapinguari.”

* Alguns lendologos argumentam, que o olho dado ao jovem líder, é o olho do deus Odin, que a mãe das águas recebeu em troca de um gole de água de sabedoria.
Odin - Deus guerreiro escandinavo, amante das artes e poesias.

* As mulheres e as crianças representam a sensibilidade e a inocencia.



COMPLEMENTO ARGUMENTÁRIO DO LENDÁRIO SER MAPINGUARY

O Mapinguari, tem uma considerável quantidade de narrativas e traduções, no que se refere a sua origem. Dentro do contexto lendológico, esses argumentos narrativos são acompanhados por comentários dos lendologos que os compõem, ou de algum outro que entra em contato com essas argumentações compostas. São esses comentários livres, os responsáveis pelas polemizações, aperfeiçoamentos e evolução do que veio a ser aceitavelmente denominado como Lendológia.

“Essa narrativa argumentaria lendária tem um aspecto nativo urbano bastante acentuado. Alguns lendologos defendem a tese de que a narrativa deu origem aos relatos ancestrais sobre a existência de “um paraíso perdido pelos seres humanos”. Período em que os nativos influenciados pelos aventureiros passaram a cobrir os corpos com vestimentas confeccionadas com fibras de algodão. E esses detalhes argumentários foram sendo aperfeiçoado, e com o tempo passaram a ser usado como argumentos doutrinários religiosos específicos, de utilidades comunitárias questionáveis.”

Dentro do contexto lendacreano, essa narrativa é tida como fonte da origem de ditos populares e passagens literárias bastante difundidas entre as comunidades nativas, como por exemplo, a conhecida frase de tendência moralista popular que sentencia; “ São cegos guiando cegos”, ou “Olho por olho... “ ; “Em terra de cego que tem um olho é o rei.” e etc.

Existem também os que reclamam a ausência na narrativa de por menores que ampliam significativamente a argumentação, e cobram a inclusão nos relatos as informações que dão conta da introdução do uso de cascas de determinadas arvores, como valor simbólico de troca monetária. Feitas sob o controle e fiscalização dos aventureiros dentro da grande aldeia.

* Toda peça lendológica autêntica, é acompanhada de fragmentos complementares de sustentação, e em alguns casos de contestação.

Dentro do movimento lendológico florestano da era das águas. Principalmente no que se refere ao Mapinguarismo, tem uma máxima consensual entre os lendologos que diz: “tudo é questionável”.
Os seres mitos-lendários são registros fragmentados dos compromissos individuais coletivos que refletem as ações comportamentativa e reações emotivas significantes sócio interativas dos nativos, os auxiliando na organização, na resistência e proteção do ser imaginante e o meio onde se manifesta com sua cultura.

* Para os que adentram o universo lendológico é bom dizer que existe uma significativa diferença entre seres mitos-lendários e lendas.

As narrativas lendárias, assim como as lendas, normalmente não deixam alicerces suficientemente lógico para que possamos localizar o momento em que ela surgi. Presente, passado e futuro se confundem. É característico trazerem um tom sapiente ancestral, que transparece envolto por um “sistema intuitivo” de auto defesa intelectual nativo, fazendo dos seres mitos-lendários guardiões tribais, eternos sobreviventes gloriosos, resistentes a ataques acadêmicos e aos modismos culturais equivocados.
E’ a parti de uma tradução, compreensão, extração e divulgação de um certo grau de entendimento que se tem das lendas e dos seres mito lendários, que um lendologo se manifesta e identifica outro lendologo. É o que torna possível o reconhecimento e aceitação de seus argumentos narrativos dentro da cultura e do movimento lendológico.

É através das composições dos lendários em linguagem de alcance compreensivo popular, e “intelectual acadêmico superior”, que os lendologos compõem, desenvolvem e divulgam suas propostas, ensaios, justificativas, auto-supremalizações, auto-doutoramento e etc.

No lendologismo florestano acreano, o termo lendologo, normalmente é usado para definir, o ser imaginante que domina uma personificação significativa oficial, uma das variantes ou tendencias lendológica mito-lendariana, entre as variantes temos: a grande serpente, mãe d’agua, boto, mapinguari, curupira e etc. É a parti deles que os lendologos desenvolvem seus estudos e compõem seus argumentos narrativos.

Os lendários (argumentos narrativos compostos) que são aceito como instrumento didático pedagógico dos lendologos, tem como característica marcante, sentenças e ganchos gramaticais narrativos estratégicos que servem para desenvolvimento complementares de defesa existencial do lendário, e dos discursos que vão arrazoando, desenvolvendo e valorizando o conteúdo narrativo, visando sempre que o lendário alcance sua autonomia, uma função social, a utilização popular.

Dentro do pensar lendológico existem as variantes e tendências postulares fundamentais de orientação, pesquisa e desenvolvimento. Entre elas destacam-se:

Variações:
Nativo Florestal

- Iaraismo
- Botoismo
- Mapinguarismo
- Curupiarismo
- Serpentismo (oral, gestual, vibrante)


Obs. Essas variações acima são aceitas como variações intermediarias fundamentais argumentarias, do pensamento autônomo nativo lendário amazônico. Mas o numero dessas variações é bastante amplo. Os acima expostos são os que oficialmente os personificadores lendacreanistas definem como os basilares.

Tendências:
Nativo Urbano

- Maracaismo
- Camalionismo
- Sementismo (ortográfico, simbólico)


Para o reconhecimento e oficialização de um argumento lendologico, os lendologos da extensão lendacreanistas estabelecem que as narrativas tenham sempre um tom de contação de história. Essa orientação, tem função de mecanismo preventivo de defesa da cultura de contação de historia que é bastante popular no nosso meio comunitário florestal e urbano; como forma de preservar esse mecanismo ancestral eficiente, atraves do qual os seres humanizados sempre de troca de saberes, conhecimentos e ensinamentos.

Uma narrativa para ser reconhecida como peça lendológica autentica, deve conter no mínimo 4 (quatro) aspectos expressivos das variações citadas acima. Sendo uma originadora e três de sustentação.

Essas variações são traduzidas e destacadas em forma de pequenos fragmentos expositivos complementares, que devem acompanhar a narrativa do lendário composto. No caso da narrativa argumentária “O SER MAPINGUARY” do lendologo Nosli Nelc, os fragmentos expositivos complementares de sustentação oficialização e suas respectivas justificativas são as seguintes:




Das sustentações:

Iaraismo – (A genitora das águas) Na narrativa está clara o aspecto Iaraista, pois no iaraismo ou uiaraismo, como queiram, estão os personificadores da Mãe das águas, e tem como fundamentos os simbolismos e os pontos significativos que extraem do elemento água; as idéias que remete ao principio das coisas, a água é o que dar vida, e no todo da narrativa este aspecto está presente quando a narrativa nos dá ciência de como ele nasceu e ganhou vida o Mapinguary.



Botoismo – (O peixe encantado que se transforma em gente) O Bôto está ligado a idéia de mudança de realidade, de transformação, e este aspecto está presente na narrativa quando ela nos mostra a mudança de realidade psico-ambiental, na transformação socio tribal provocada pelo poder dos risco na superfície das folhas. Bem como também no instante em que o líder toma consciência de que os riscos estão ocupando seu lugar, e posteriormente na ação de lavar os olhos dos nativos para que voltem a realidade tribal anterior.


Curupiarismo - (Tem os pés virados para trás e costuma fazer os caçadores se perderem dentro da mata.) – Os pés invertidos do(a) curupira está presente na ação dos aventureiro ao fazerem o jovem seguir numa direção indicada por eles mas que no final se revela o oposto, fazendo com que se perca no controle administrativo da tribo.

Serpentismo –( Encanta e atrai suas presas e as devora) A serpente está presente em toda e qualquer narrativa, é o símbolo da onda; do vibrante etéreo; das sonoridades, é através destes atributos que entramos em contato com os fatos narrados. Ela é o ser intermediador das comunicações, a condutora das narrativas. O seu poder de atração e encantamento está presente na narrativa no instante em que a jovem esposa é seduzida pela lábia dos aventureiros e quando consequemente ela seduz o jovem lider, que posteriormente é encantado e devorado pelo o poder de sedução da cmunicação dos risco nas superfícies das folhas.





Originadora:

Mapinguarismo – ( O ser antropofágico que tem um olho na testa e a boca na barriga) Está presente no todo da narrativa, no aspecto em que o nativo mostra uma reação a uma ação externa, estar presente nas entrelinhas, na defesa de um ponto de vista tribal. Quando transparece a consciência de uma psico realidade importada que precisa ser combatida, está clara na intenção do personificador reagindo a uma cultura externa. Dentro do mapinguarismo essa atitude pode ir de pacifica reformadora, a reacionárias radical. Na cultura dialética analógica lendária, essas personificações tem como principio a defesa do ser imaginante, do seu meio ambiental natural e nativo urbano cultural. Na composição lendária o Ser Mapinguary podemos ver uma chamada para reflexão, que nos remete a questão do aculturamento do nativo étnico e urbano florestano e as conseqüências disso no meio ambiental natural e na realidade psico-social da tribo.


Obs. Naturalmente como se trata de ledologismo, as exposições acima podem sofrer alterações auxiliares, amplificarem-se.

Lendologo é o ser que domina a linguagem (simbólica significativa) ancestral dialética analógica lendária nativa; um personificador.